quarta-feira, 27 de outubro de 2010

O sono é um tema recorrente em Cristalina — a ponto de existir na Lulilândia um espaço todo dedicado ao cochilo. É, também, uma forma light de escapismo: algo assim, menos dramático que o suicídio, mas igualmente descontente.
Em muitas das músicas do CD, o sono é descrito como uma alternativa melhor que a realidade. Seja porque os dias na vida real a aborrecem, seja porque, acordada, ela não consegue dizer o que sente, a mensagem reiterada de Lulina é a de que sua “vida verdadeira é embaixo do edredom”, ou que seus dias terminam quando ela abre os olhos e para de sonhar.
O que chama a atenção, porém, é a posição diametralmente oposta que essa postura encontra em outra música. Intencionalmente ou não, até a construção frasal é parecida, reforçando o contraste. Se, em “Música Para Colocar Naquele Som com Despertador”, Lulina diz: “pra mim o dia já acabou / Quando abri os olhos e parei de sonhar”, em “Do You Remember, Laura”, a frase é quase repetida, às avessas: “E o dia terminava quando eu fechava os olhos pra dormir”.
A ideia dos olhos fechando ou abrindo aproxima as duas frases e evidencia a diferença na forma de encarar o sono. O que, então, mudou? Nem é preciso recorrer às letras completas de ambas as músicas para responder: o tempo verbal. No pretérito perfeito (por pouco, não disse “passado simples”), Lulina está falando do que aconteceu agora, hoje, quando o tal som com despertador tocou. No imperfeito, o sono faz parte de um passado mais distante.
De fato, Do You Remember, Laura?, uma das melhores músicas do disco, conta fatos de quando ela “era pequena”, quando jurava haver neve na rua ou ter visto um cometa. A vida com certeza era mais simples, já que de sua janela, ela podia ver todo o seu mundo, mas ao longo de toda a letra, percebem-se pequenos sonhos que, quando criança, tinha, acordada.
O vazio do mundo é, portanto, o mal dos que crescem — ou que encolhem, como a música sugere, acertando em cheio.
Como as músicas mantêm o jeito simples de alegria melancólica ao longo do disco, à primeira vista, pode parecer que estão falando a mesma coisa. O ar onírico se repete em Do You Remember, Laura? e Narcolepsia. O significado, porém, é inverso.

Outro Pessoa dirá que, sei lá, isso é preocupante, que o escapismo é ruim, que representa, quiçá, um problema mais sério da autora com sua vida. Talvez diga que é o stress da carreira de publicitária, chegando a afirmar até que a própria opção por criar música é reflexo dessa necessidade de escapar. Eu, Caeiro, que nada tenho com isso e que acredito que vontade de fugir todo mundo tem, torço só pra que Lulina continue sonhando e fazendo música como faz.